Hui Tzu [1] disse a Chuang Tzu: “O rei de Wei deu-me algumas sementes de uma enorme abóbora. Plantei-as e, quando elas cresceram, seu fruto foi suficiente para conter cinco piculs. Tentei utilizá-la como recipiente de água, mes seu peso era tal que não podia levantá-la. Rachei-a ao meio, a fim de fazer conchas, mas estas eram tão grandes e desajeitadas que não as conseguia mergulhar em coisa alguma. Não é que as abóboras fossem fantasticamente grandes – mas decidi que eram inúteis e despedacei-as”.
Disse Chuang Tzu: “Certamente és ignorante, em se tratando de utilizar coisas grandes. Em Sung havia um homem especializado em fazer um bálsamo para prevenir rachaduras nas mãos e, geração após geração, sua família ganhou a vida alvejando seda em água. Um viajante, ouvindo falar do bálsamo, ofereceu-se para comprar a receita por cem medidas de ouro. O homem chamou todos a um conselho de família. ‘Há gerações, vimos alvejando seda e jamais lucramos mais que umas poucas medidas de ouro’ disse ele. ‘Agora, se vendermos o nosso segredo, ganharemos talvez cem medidas numa só manhã. Que fique ele com o segredo’. O viajante recebeu o bálsamo e apresentou-se ao rei de Wu, que vinha tendo aborrecimentos com o Estado de Yüeh. O rei colocou esse homem à frente de suas tropas, e nesse inverno travaram uma batalha naval com os homens de Yüeh e lhes deram uma boa surra [2]. Uma parte do território conquistado foi adjudicado ao homem, como seu feudo. O bálsamo tinha o poder de evitar a rachadura das mãos em cada caso; mas um homem o utilizou para conseguir um feudo, enquanto o outro jamais foi além do alvejamento da seda – pois eles o usaram de diferentes modos.
Ora, tens uma abóbora bastante grande para conter cinco piculs. Por que não pensaste em fazer dela um grande barco? Assim poderias ir flutuando pelos rios e lagos, em vez de te aborreceres por ser ela tão grande e desajeitada para mergulhar em coisas! É óbvio que ainda tens muito mato na cabeça!”
in Chuang Tzu – Escritos Básicos, Trecho 1 – Livre e Fácil Vaguear, Ed. Cultrix
[1] O lógico Hui Shih, que, conforme afirma Waley, no Chuang Tzu, “personifica a intelectualidade em oposição à imaginação”.
[2] Porque o bálsamo impedia que as mãos dos soldados se gretassem e com isso facilitava-lhes o manejo das armas.